quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

MÁSCARAS: atração e traição


Carnaval, um tempo de máscaras! O que se percebe é o quanto o povo de si se esquece, querendo assumir o que não se é para quem sabe talvez, conquistar o que e quem se quer. A máscara, sua intenção é a atração que vem acompanhada do risco da traição.
Trair é fingir, fingir é fugir de si mesmo, divorciar-se da própria identidade rompendo com a sinceridade pessoal e com a alteridade natural.
Atrair com base na traição não convém, não há um profícuo bem, a atração não existe a não ser por falsificação. Feridas grandes que se criam a partir do verniz que se coloca. O verniz dá brilho e tudo mais, mas muitas vezes é colocado somente para suprir lacunas qualitativas à madeira.
Não é preciso se trair para atrair. A atração verdadeira que não é passageira é aquela que cria raízes no solo da sinceridade do ser. É sendo quem se é, na tranquilidade de deixar-se conhecer sem o medo do desprezo, que se consegue atrair o outro para o nosso centro.
A atração que falo não é a banal, mas a cordial; aquela que seja uma porta de entrada para o outro adentrar em nosso coração e tornar participante de nossa vida, fugindo daquilo que tem caráter provisório e que contenha superficialidade.
Sim, a máscara chama atenção, pode atrair a muitos, mas não atrai a todos. Ela é colocada no Carnaval, mas em alguns ela permanece durante anos. E quando o Carnaval passar? Para muitos a quarta feira de cinzas nada significa, não entendem a mensagem de que somos pó e cinzas e parecem querer continuar a usar por mais tempo a máscara.
No poema Tabacaria, o poeta português F.Pessoa tão bem expressou ao falar de alguém ou de si mesmo: "Fiz de mim o que não soube e o que soube não o pude fazer (...) quando resolvi tirar a máscara vi que estava envelhecido...”.
A máscara falsifica o nosso perfil, nos envelhece, nos engana, mas muitas vezes isso tudo não se percebe pelo simples motivo da ilusão, onde as emoções provisórias nos traem. A intenção não tem atenção quando a máscara tende a tampar as nossas misérias e ainda dar outra imagem de nós mesmos.
Fingir é fugir da realidade que é chão para alcançarmos os nossos sonhos, os nossos ideais. Não devemos nos contentar com aquilo que somos, é interessante e útil o aprimoramento, a experiência, o esforço, o interesse; enfim, precisamos ser insaciáveis em ter a nossa própria definição. Como dizia Guimarães Rosa:  "O animal satisfeito dorme".
Não devemos fugir daquilo que somos, mas também não devemos erguer nosso eu como a um troféu, na satisfação de quem se acha pronto e imutável. Não, nada de "espírito de Gabriela": “Eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou mesmo assim...”  É muito mais louvável a busca e o esforço natural do que o comodismo ocioso em colocar a máscara e resolver tudo como a uma mágica.
Falo da máscara subjetiva, não da máscara enfeite. Sobretudo porque há uma maneira sadia de usar máscara, participar da festa, viver a cultura, sorrir, dançar e se alegrar no Carnaval. Mas que a máscara circunstancial não seja pretexto para tornar-nos mascarados na identidade pessoal.
         Quiçá as máscaras pudessem ser tiradas ao término do Carnaval e assim, todos pudessem viver sob o regime da sinceridade. Trair e ser infiel é também sinônimo de infelicidade, tenhamos o devido cuidado com o Carnaval temporal e sobretudo com o Carnaval que insiste em querer continuar.

TABACARIA 

                                                           Fiz de mim o que não soube, 
E o que podia fazer de mim não o fiz.  O dominó(roupa) que vesti era errado. 
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me. 
Quando quis tirar a máscara, 
Estava pegada à cara. 
Quando a tirei e me vi ao espelho, Já tinha envelhecido
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado. 
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário 
Como um cão tolerado pela gerência por ser inofensivo. 
E vou escrever esta história para provar que sou SUBLIME.
(Fernando Pessoa)

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

RECOMEÇO...



     É necessidade para perseverar no caminho que dinamicamente se finda e se reinicia,
    De maneira nova, sem empolgar-se e acomodar-se com as vitórias, nem tampouco frustrar-se com sua ausência nas possíveis derrotas.
    Começar de novo partindo de onde se está, sem rupturas com a realidade que circunda, seja ela alegórica ou catastrófica.
    Considerar a história como escola para viver o que é necessário e ordinário. Tijolos que se têm para poder reconstruir o novo começo no abandono do querer e no esforço do poder.
    Não, nada de revoluções externas! A motivação é interna e passa pelo critério do equilíbrio que privilegia sempre o autoconhecimento na reflexão do real e do ideal de cada indivíduo.
    Andar com novos sapatos, pelo velho e conhecido caminho. Perceber que não há um novo caminho, mas conceber uma maneira nova de caminhar.
Recomeço desconhecido que se teme, mas há atrevimento e comprometimento em fazer tudo bem feito.
    Lembrar que começar é de muitos, mas perseverar é de poucos. São os que têm em si uma “determinada determinação”(Tereza) e traçam propósitos que são conquistados na simplicidade dos dias e dos passos.
    Vamos colocar novamente os sapatos e voltar ao trabalho. E ainda, pegar a caneta e o caderno e voltar aos estudos.
    O caderno é a metáfora do recomeço. Páginas preenchidas e páginas vazias, dias que se passaram e ensinaram, e dias que ainda virão no virar de cada página. A escrita? Será feita com a tinta da própria vida.




“Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes”(F.Pessoa)