sábado, 25 de fevereiro de 2012

QUARESMA ...

 

É sabido que a Quaresma, palavra que vem do latim quadragésima, é o período de quarenta dias que antecedem a festa ápice do Cristianismo: a ressurreição de Jesus Cristo, comemorada no Domingo de Páscoa. A quaresma tem seu início na Quarta-Feira de Cinzas e seu término ocorre no sábado anterior ao Domingo de Ramos para o início da Semana Santa. Para algumas pessoas esses quarenta dias representam dias de jejum e oração e, ainda, lembra o periodo de 40 dias que Jesus passou no deserto em oração.
No senso comum, entre os cristãos católicos mais tradicionais, é considerada um tempo de muito sacrifício, renúncias, mortificações, penitências, abstinências, etc. Não se pode contradizer tal realidade, mas o espírito essencial da Quaresma não é bem o sacrifício, mas é a CONVERSÃO, realizada sob o alicerce da MISERICÓRDIA de Deus, que a respeito nos diz: “Eu quero a misericórdia e não o sacrifício” (Mt 9,13).
Misericórdia! Uma palavra tão comum, falada por muitos no cotidiano, mas que muitas vezes não é conhecida no seu sentido íntimo. Se “cortarmos” a palavra no meio, na sua etimologia, temos: Miséria+Córdia, ou seja, misérias humanas e Coração Divino.
Misericórdia, a constatação da miséria humana que urge ser acolhida no Coração Divino. Nesse sentido, misericórdia e conversão andam de mãos dadas. A conversão torna-se consequência da prática autêntica da misericórdia.
Sobretudo, a conversão é um processo constante da vida. Ninguém está preparado totalmente. Aliás, ninguém nasce pronto. Somos o oposto de outras coisas que nascem prontas e vão se gastando com o passar do tempo, pois nascemos vazios e na medida em que vivemos vamos crescendo, nos fazendo, nos formando. Isto acontece tanto no sentido daquilo que devemos adquirir quanto também no sentido de retirar os excessos maléficos presentes no nosso ser.
A Quaresma é também um grande itinerário que se pode fazer para dentro do nosso eu. Normalmente encontramos pessoas que têm prazer em viajar, em aventurar-se para um lugar bem distante, muito lindo, repleto de aventuras talvez, longe de tudo e de todos. Pois bem, não sou nenhum agente de viagens, mas dou uma singela dica, nesse tempo Quaresmal, o “nosso eu” é um lugar propício, recomendável e interessante para se poder “viajar”.
Uma viagem em que não necessitamos levar muitas bagagens, porque uma das consequências de tal viagem é justamente diminuir as bagagens que trazemos em excesso e que tem nos cansado no caminhar.
Qual excesso que tenho levado na minha bagagem, naquilo que julgo ser necessário para viver com intensidade a minha vida, a minha busca de fidelidade e então de felicidade? Na Quaresma, o deserto, o silencio, a oração, a autodisciplina são meios para, primeiramente identificar, e depois retirar da mala do coração os excessos.
Não é o chocolate, a coca-cola em si ou quaisquer outras coisas que obstaculizam a leveza do nosso coração, eles são símbolos que condensam a luta espiritual entre a carne e o espírito. Porém, ao fazermos qualquer propósito para vivenciarmos bem esse tempo, ele deve conter a intenção de educar o nosso corpo, os nossos instintos e impulsos através do nosso espírito.
Não significa dizer que não se vai nunca mais comer “chocolote”, mas que a abstinência provisória dele pode proporcionar um crescimento interior, uma maturidade humana e espiritual na capacidade adquirida de se possuir permanentemente. De fato, só quem se possui é capaz de doar-se ao outro, na doação completa que não corre o risco da superficialidade e, ainda, é capaz de ser livre nas decisões.
Digamos que Quaresma é uma grande oportunidade que temos para retornar a nós mesmos, na nossa verdade mais íntima que talvez ainda não conhecemos. Ela tem haver com a dignidade própria de termos sido criados por Deus, salvos por Jesus Cristo e santificados pelo Espírito Santo.
Oportunidade, palavra tão linda, do latim ob portus. É explicada a partir de um vento nomeado pelos romanos marítimos; vento que passava uma vez ao dia e tinha a função de conduzir o barco à vela para o porto, se eles perdessem (por distração) tal vento tinham que esperar até o dia seguinte o próximo vento “ob portus”.
Portanto, não percamos a oportunidade que a Quaresma nos oferece para retornarmos ao Porto Seguro, de onde devemos sempre partir e retornar: Deus.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

MÁSCARAS: traição e atração



         Carnaval, um tempo de máscaras! O que se percebe é o quanto o povo de si se esquece, querendo assumir o que não se é para quem sabe talvez, conquistar o que e quem se quer. 
       A máscara. Sua intenção é despertar atenção e atração, acompanhadas do risco da traição.

Trair é fingir, fingir é fugir de si mesmo, divorciar-se da própria identidade rompendo com a sinceridade pessoal e com a alteridade natural.

Atrair com base na traição não convém, não há um profícuo bem, a atração não existe a não ser por falsificação. Feridas grandes que se criam a partir do verniz que se coloca. O verniz dá brilho e tudo mais, mas muitas vezes é colocado somente para suprir lacunas qualitativas à madeira.

Não é preciso se trair para atrair. A atração verdadeira que não é passageira é aquela que cria raízes no solo da sinceridade do ser. É sendo quem se é, na tranquilidade de deixar-se conhecer sem o medo do desprezo, que se consegue atrair o outro para o nosso centro.

A atração que falo não é a banal, mas a cordial; aquela que seja uma porta de entrada para o outro adentrar em nosso coração e assim tornar-se  participante de nossa vida, fugindo daquilo que tem caráter provisório e que contenha superficialidade.

Sim, a máscara chama atenção, pode atrair a muitos, mas não atrai a todos. Ela é colocada no Carnaval, mas em alguns ela permanece durante anos. E quando o Carnaval passar? Para muitos a quarta feira de cinzas nada significa, não entendem a mensagem de que somos pó e cinzas e às vezes preferem continuar a usar a máscara por mais tempo.

No poema Tabacaria, o poeta português F.Pessoa tão bem expressou ao falar de alguém ou de si mesmo: "Fiz de mim o que não soube e o que soube não o pude fazer (...) quando resolvi tirar a máscara vi que estava envelhecido...”.

A máscara falsifica o nosso perfil, nos envelhece, nos engana, mas muitas vezes isso tudo não se percebe pelo simples motivo da ilusão, onde as emoções provisórias nos traem. A intenção não tem atenção quando a máscara tende a tampar as nossas misérias e ainda dar outra imagem de nós mesmos.

Fingir é fugir da realidade que é chão para alcançarmos os nossos sonhos, os nossos ideais. Não devemos nos contentar com aquilo que somos, é interessante e útil o aprimoramento, a experiência, o esforço, o interesse; enfim, precisamos ser insaciáveis em ter a nossa própria definição. Como dizia Guimarães Rosa: "O animal satisfeito dorme".

Não devemos fugir daquilo que somos, mas também não devemos erguer nosso eu como a um troféu, na satisfação de quem se acha pronto e imutável. Não, nada de "espírito de Gabriela": “Eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou mesmo assim...” É muito mais louvável a busca e o esforço natural do que o comodismo ocioso em colocar a máscara e resolver tudo como a uma mágica.

         Falo da máscara subjetiva, não da máscara enfeite. Sobretudo porque há uma maneira sadia de usar máscara, participar da festa, viver a cultura, sorrir, dançar e se alegrar no Carnaval. Mas que a máscara circunstancial não seja pretexto para tornar-nos mascarados na identidade pessoal.

        Quiçá as máscaras pudessem ser tiradas ao término do Carnaval e assim, todos pudessem viver sob o regime da sinceridade. Trair e ser infiel é também sinônimo de infelicidade, tenhamos o devido cuidado com o Carnaval temporal e sobretudo com o Carnaval que insiste em querer continuar.




TABACARIA
Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz. O dominó(roupa) que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho, Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência por ser inofensivo.
E vou escrever esta história para provar que sou SUBLIME.
(Fernando Pessoa)