É sabido que a Quaresma, palavra que vem do latim quadragésima, é o período de quarenta dias que antecedem a festa ápice do Cristianismo: a ressurreição de Jesus Cristo, comemorada no Domingo de Páscoa. A quaresma tem seu início na Quarta-Feira de Cinzas e seu término ocorre no sábado anterior ao Domingo de Ramos para o início da Semana Santa. Para algumas pessoas esses quarenta dias representam dias de jejum e oração e, ainda, lembra o periodo de 40 dias que Jesus passou no deserto em oração.
No senso comum, entre os cristãos católicos mais tradicionais, é considerada um tempo de muito sacrifício, renúncias, mortificações, penitências, abstinências, etc. Não se pode contradizer tal realidade, mas o espírito essencial da Quaresma não é bem o sacrifício, mas é a CONVERSÃO, realizada sob o alicerce da MISERICÓRDIA de Deus, que a respeito nos diz: “Eu quero a misericórdia e não o sacrifício” (Mt 9,13).
Misericórdia! Uma palavra tão comum, falada por muitos no cotidiano, mas que muitas vezes não é conhecida no seu sentido íntimo. Se “cortarmos” a palavra no meio, na sua etimologia, temos: Miséria+Córdia, ou seja, misérias humanas e Coração Divino.
Misericórdia, a constatação da miséria humana que urge ser acolhida no Coração Divino. Nesse sentido, misericórdia e conversão andam de mãos dadas. A conversão torna-se consequência da prática autêntica da misericórdia.
Sobretudo, a conversão é um processo constante da vida. Ninguém está preparado totalmente. Aliás, ninguém nasce pronto. Somos o oposto de outras coisas que nascem prontas e vão se gastando com o passar do tempo, pois nascemos vazios e na medida em que vivemos vamos crescendo, nos fazendo, nos formando. Isto acontece tanto no sentido daquilo que devemos adquirir quanto também no sentido de retirar os excessos maléficos presentes no nosso ser.
A Quaresma é também um grande itinerário que se pode fazer para dentro do nosso eu. Normalmente encontramos pessoas que têm prazer em viajar, em aventurar-se para um lugar bem distante, muito lindo, repleto de aventuras talvez, longe de tudo e de todos. Pois bem, não sou nenhum agente de viagens, mas dou uma singela dica, nesse tempo Quaresmal, o “nosso eu” é um lugar propício, recomendável e interessante para se poder “viajar”.
Uma viagem em que não necessitamos levar muitas bagagens, porque uma das consequências de tal viagem é justamente diminuir as bagagens que trazemos em excesso e que tem nos cansado no caminhar.
Qual excesso que tenho levado na minha bagagem, naquilo que julgo ser necessário para viver com intensidade a minha vida, a minha busca de fidelidade e então de felicidade? Na Quaresma, o deserto, o silencio, a oração, a autodisciplina são meios para, primeiramente identificar, e depois retirar da mala do coração os excessos.
Não é o chocolate, a coca-cola em si ou quaisquer outras coisas que obstaculizam a leveza do nosso coração, eles são símbolos que condensam a luta espiritual entre a carne e o espírito. Porém, ao fazermos qualquer propósito para vivenciarmos bem esse tempo, ele deve conter a intenção de educar o nosso corpo, os nossos instintos e impulsos através do nosso espírito.
Não significa dizer que não se vai nunca mais comer “chocolote”, mas que a abstinência provisória dele pode proporcionar um crescimento interior, uma maturidade humana e espiritual na capacidade adquirida de se possuir permanentemente. De fato, só quem se possui é capaz de doar-se ao outro, na doação completa que não corre o risco da superficialidade e, ainda, é capaz de ser livre nas decisões.
Digamos que Quaresma é uma grande oportunidade que temos para retornar a nós mesmos, na nossa verdade mais íntima que talvez ainda não conhecemos. Ela tem haver com a dignidade própria de termos sido criados por Deus, salvos por Jesus Cristo e santificados pelo Espírito Santo.
Oportunidade, palavra tão linda, do latim ob portus. É explicada a partir de um vento nomeado pelos romanos marítimos; vento que passava uma vez ao dia e tinha a função de conduzir o barco à vela para o porto, se eles perdessem (por distração) tal vento tinham que esperar até o dia seguinte o próximo vento “ob portus”.
Portanto, não percamos a oportunidade que a Quaresma nos oferece para retornarmos ao Porto Seguro, de onde devemos sempre partir e retornar: Deus.
Tempo de oração, de escuta, de silencio, de perdão, de paciência, de compaixão, de reflexão.
ResponderExcluirTempo de procurar na internet textos interessantes e que auxiliam a nossa quaresma como o seu, caro autor Hudson Roza.
a viagem mais incômoda de se fazer, ao nosso eu, mas é a que provoca mais encanto quando encontramos no eu o próprio Deus. Bela meditação fratelo.
ResponderExcluir