sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

MÁSCARAS: traição e atração



         Carnaval, um tempo de máscaras! O que se percebe é o quanto o povo de si se esquece, querendo assumir o que não se é para quem sabe talvez, conquistar o que e quem se quer. 
       A máscara. Sua intenção é despertar atenção e atração, acompanhadas do risco da traição.

Trair é fingir, fingir é fugir de si mesmo, divorciar-se da própria identidade rompendo com a sinceridade pessoal e com a alteridade natural.

Atrair com base na traição não convém, não há um profícuo bem, a atração não existe a não ser por falsificação. Feridas grandes que se criam a partir do verniz que se coloca. O verniz dá brilho e tudo mais, mas muitas vezes é colocado somente para suprir lacunas qualitativas à madeira.

Não é preciso se trair para atrair. A atração verdadeira que não é passageira é aquela que cria raízes no solo da sinceridade do ser. É sendo quem se é, na tranquilidade de deixar-se conhecer sem o medo do desprezo, que se consegue atrair o outro para o nosso centro.

A atração que falo não é a banal, mas a cordial; aquela que seja uma porta de entrada para o outro adentrar em nosso coração e assim tornar-se  participante de nossa vida, fugindo daquilo que tem caráter provisório e que contenha superficialidade.

Sim, a máscara chama atenção, pode atrair a muitos, mas não atrai a todos. Ela é colocada no Carnaval, mas em alguns ela permanece durante anos. E quando o Carnaval passar? Para muitos a quarta feira de cinzas nada significa, não entendem a mensagem de que somos pó e cinzas e às vezes preferem continuar a usar a máscara por mais tempo.

No poema Tabacaria, o poeta português F.Pessoa tão bem expressou ao falar de alguém ou de si mesmo: "Fiz de mim o que não soube e o que soube não o pude fazer (...) quando resolvi tirar a máscara vi que estava envelhecido...”.

A máscara falsifica o nosso perfil, nos envelhece, nos engana, mas muitas vezes isso tudo não se percebe pelo simples motivo da ilusão, onde as emoções provisórias nos traem. A intenção não tem atenção quando a máscara tende a tampar as nossas misérias e ainda dar outra imagem de nós mesmos.

Fingir é fugir da realidade que é chão para alcançarmos os nossos sonhos, os nossos ideais. Não devemos nos contentar com aquilo que somos, é interessante e útil o aprimoramento, a experiência, o esforço, o interesse; enfim, precisamos ser insaciáveis em ter a nossa própria definição. Como dizia Guimarães Rosa: "O animal satisfeito dorme".

Não devemos fugir daquilo que somos, mas também não devemos erguer nosso eu como a um troféu, na satisfação de quem se acha pronto e imutável. Não, nada de "espírito de Gabriela": “Eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou mesmo assim...” É muito mais louvável a busca e o esforço natural do que o comodismo ocioso em colocar a máscara e resolver tudo como a uma mágica.

         Falo da máscara subjetiva, não da máscara enfeite. Sobretudo porque há uma maneira sadia de usar máscara, participar da festa, viver a cultura, sorrir, dançar e se alegrar no Carnaval. Mas que a máscara circunstancial não seja pretexto para tornar-nos mascarados na identidade pessoal.

        Quiçá as máscaras pudessem ser tiradas ao término do Carnaval e assim, todos pudessem viver sob o regime da sinceridade. Trair e ser infiel é também sinônimo de infelicidade, tenhamos o devido cuidado com o Carnaval temporal e sobretudo com o Carnaval que insiste em querer continuar.




TABACARIA
Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz. O dominó(roupa) que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho, Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência por ser inofensivo.
E vou escrever esta história para provar que sou SUBLIME.
(Fernando Pessoa)

2 comentários:

  1. caro Hudson, voce consegue nomear aquilo que muitas vezes queremos pensar. Exatamente, que as máscaras sejam apenas temporais e intencionadas à festa carnavalesca e que o império da transparência ou da personalidade possa prevalecer na humanidade. Belo texto.

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  2. O carnaval acabou mas muitas máscaras permanecem infelizmente. Esse tal de BBB é um dos propagadores desssa cultura da superficialidade. Voce bem que poderia escrever algo em forma de crítica sobre esse programa...

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